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Válvula de segurança

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso propôs, em entrevista ao Blog do Camarotti, a criação de uma “válvula de segurança” para garantir que, se aprovado o “distritão” para as eleições de 2018 e 2020, haja a garantia de que, em seguida, será adotado o sistema distrital misto.

Há preocupação em setores do Congresso Nacional que, mesmo com a aprovação do distrital misto para 2022, os parlamentares eleitos pelo “distritão” façam uma nova mudança na Constituição. Barroso considera o distrital misto o melhor modelo para o Brasil. Para ele, o modelo permitirá reduzir o gasto com as campanhas eleitorais.

O ministro do STF critica o valor elevado do chamado “fundão” e defende o barateamento das campanhas.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Blog – Ministro, o Congresso Nacional está votando a reforma política. Está sendo feita com muita pressa. Há riscos em relação, por exemplo, a temas como o fundão, um fundo de financiamento e com gastos muito elevados, acima de 3 bilhões de reais. Como é que o senhor está vendo isso?
Barroso – Há mais de 20 anos o país precisa de uma reforma política. Eu acho que a gente precisa prestar atenção para verificar se o que é essencial está sendo feito, que é uma mudança no sistema eleitoral para a implantação do sistema distrital misto. Uma reforma política no Brasil deve se destinar a baratear o custo das eleições, a incrementar a legitimidade democrática e a representatividade do Congresso e a facilitar a governabilidade. E eu acho que o sistema eleitoral pelo voto distrital misto é capaz de produzir esses resultados e esses objetivos. Portanto, se isto for aprovado, e com uma cláusula que impeça pelo menos por duas eleições de isso ser revogado, eu acho que talvez valha a pena pagar alguns preços.

Eu não tenho simpatia pelo distritão porque acho que ele não barateia, pelo contrário, talvez encareça as eleições e dificulta a representação das minorias. Porém, o sistema que nós temos atualmente, que é o voto proporcional em lista aberta com coligações, é tão ruim que talvez ele dispute com o distritão para saber o que que é pior, de modo que eu pagaria o preço se o preço para a aprovação do distrital misto para daqui a quatro anos for a aprovação do distritão.

Agora, um fundo de 3 bilhões e 600 milhões de reais, neste momento brasileiro, eu penso que é um desaforo com a sociedade num momento de desemprego, de todas as dificuldades que a sociedade brasileira está vivendo. Portanto, eu acho que para fazer a transição desse modelo caríssimo para um modelo adequado do voto distrital misto talvez tenha que haver algum tipo de financiamento, porque no modelo ideal o financiamento tem que deixar de ser público. A sociedade brasileira tem que deixar de ser dependente do Estado, e a política tem que arrecadar o seus recursos na cidadania e no debate político.

Mas eu acho que para a transição, um fundo no valor palatável, e não esse absurdo que tem, possa ser aceitável. Portanto, eu aceitaria pagar o preço do distritão e o preço de um fundo com valores decentes para conquistar o voto distrital misto, que eu acho que será a redenção da política do Brasil, capaz de mudar o patamar ético da política no Brasil e voltar a atrair novas vocações, novos valores. A gente não deve pensar o país em função das próximas eleições. Acho que a gente tem que pensar o país num horizonte mais largo e implantar um sistema eleitoral que faça baratear e seja capaz de trazer a essência política que esse modelo de financiamento eleitoral destruiu no Brasil, eu acho que vale a pena. Eu pagaria os preços razoáveis para implantar o voto distrital misto daqui a quatro anos.

Blog – Não corre o risco de o Congresso eleito pelo distritão transformar o distrital misto, em negociação agora, num distritão para 2022?
Barroso – Olha, é uma frase boa do padre Antônio Vieira, em que ele diz: “É melhor os desacertos do intento do que as certezas da inércia”. Eu acho que a gente tem que fazer. E na vida a gente tem que correr riscos. E a gente não é dono do futuro. Eu acho que a gente tem que fazer e acho que a gente tem que ter as válvulas de segurança necessárias para que o preço que se pague agora em termos de aceitar o distritão, por exemplo, não importe que depois se possa revogar o distrital misto ali na frente, que foi o que a gente ganhou. Eu por exemplo incluiria aí uma cláusula de estabilidade como não admitir a mudança por duas outras eleições.

Mas eu quero acreditar que na vida a gente não deve duvidar das intensões das pessoas, que isso esteja sendo feito de ma fé para mudar ali na frente. Eu acho que a gente tem que dar um pouco de credibilidade, até porque em um país com imprensa livre e sociedade mobilizada não é fácil você fraudar e frustrar a vontade popular.

Você veja que o enfrentamento da corrupção e o próprio avanço da Lava Jato tem sido possível mesmo contra tudo e contra todos. Mesmo contra a resistência nos mais altos escalões, nos poderes, na imprensa e até onde menos seria de se imaginar. E ainda assim a agenda anticorrupção tem avançado porque já há uma sociedade consciente e mobilizada que ajuda a empurrar a história.

A sociedade brasileira está cansada de o Brasil frustrar o seu destino. Nós estamos sendo menores do que verdadeiramente somos. E acho que as pessoas têm essa sensação, de modo que essa corrupção generalizada levou a um certo abalo na autoestima brasileira, mas também criou uma certa indignação cívica que eu acho que vai nos ajudar a fazer um país maior e melhor.