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Projeto de Lei Anticrime

As considerações abaixo sobre o Projeto de Lei Anticrime, elaborado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, foram feitas pelo Juiz Federal Walter Nunes da Silva Júnior, titular da 2ª Vara da Justiça Federal do Rio Grande do Norte e ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe):

1. Introdução
Encontram-se na ordem do dia debates sobre o Projeto de Lei Anticrime anunciado pelo Governo, por meio de seu Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. O projeto é claro, objetivo e bem redigido, facilitando a análise de seu conteúdo.
A sociedade brasileira, amedrontada e acuada por causa da alta criminalidade experimentada já faz um bom tempo, sem que nada de efetivo seja colocado em prática para reverter a situação, mostra-se simpática a qualquer inciativa trazendo embutida a ideia de que isso irá modificar as suas vidas.
Não é de se estranhar, portanto, o aplauso geral para as medidas propostas, especialmente nas redes sociais. O povo está havido por segurança.
Iremos fazer ligeiras observações sobre cada uma das 19 Medidas apresentadas. Não discutiremos questões relativas à redação em si empregada nos textos nem quanto a terminologias que suscitam alguns questionamentos doutrinários. Este texto está circunscrito a comentar, de forma sucinta e objetiva, o conteúdo em si das propostas, sem recorre a menções doutrinários ou jurisprudenciais.
Acriticamente, adotaremos como tópicos a mesma nomenclatura utilizada pelo Ministro da Justiça para a divisão das 19 medidas, facilitando a identificação das propostas sugeridas e aqui comentadas.
Em consonância com essas diretrizes, o presente texto está desenvolvido do item 2 ao 20, com a apresentação de sucinto comentário em cada um deles.
No final, apresentamos algumas conclusões.
2. Execução provisória da condenação criminal após julgamento em segunda instância
Embora a posição favorável à execução provisória da pena tenha sido manifestada mesmo antes da adoção desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal, não concordamos com a mudança proposta para o art. 51 do Código Penal, na medida em que atribui ao juiz da execução penal a competência para executar, conforme a Lei de Execução Fiscal, a pena aplicada na sentença condenatória.
Por essa mesma razão, não parecem apropriadas as alterações sugeridas para os arts. 147 e 164 da Lei de Execução Penal.
Ainda que alguns juízes criminais reivindiquem essa competência, ao argumento de que os juízes cíveis não dão a devida importância à questão, em verdade, parece faltar maior empenho e interesse da própria Procuradoria da Fazenda Nacional na propositura das correspondentes execuções fiscais.
Assim, a questão pode ser resolvida no âmbito interno do próprio Poder Executivo, com o estabelecimento de diretrizes para exigir que a Procuradoria da Fazenda

Nacional tenha como prioridade a propositura da execução fiscal quanto às dívidas a título de multa fixadas nas sentenças criminais.
3. Aumento da efetividade do Tribunal do Júri
A respeito da efetividade do Tribunal do Júri, caberiam considerações mais em relação à terminologia utilizada do que propriamente ao mérito da proposta, com o qual há de se concordar.
A ressalva fica por conta da destituição de efeito suspensivo do recurso da decisão de pronúncia. Ainda que o recurso da decisão de pronúncia não deva suspender o andamento do processo, é no mínimo temerário o julgamento pelo tribunal do júri, na pendência de apreciação de impugnação recursal. Eventual provimento do recurso irá ocasionar tumulto processual.
A sugestão é a previsão de regra estabelecendo a suspensão tão somente do julgamento pelo júri, sem obstar-se toda a tramitação do processo, sendo permitida, assim, a instauração da segunda fase do rito processual.
4. Alteração das regras do julgamento dos embargos infringentes
A medida carece de maior relevância, sendo a alteração apenas redacional.
Não obstante, seria recomendável aproveitar a oportunidade para, seguindo tendência de uniformização dos prazos recursais, tanto em matérias cíveis, quanto criminais, estabelecer o prazo de 15 dias para os embargos infringentes, em substituição ao de 10 dias.
5. Legítima defesa
A respeito da proposta de inclusão do § 2o no art. 23 do Código Penal, é criticável a utilização de expressões como “medo”, “surpresa” e “violenta emoção”, para permitir ao juiz reduzir ou até mesmo deixar de aplicar a pena, no caso de excesso por parte de quem age a pretexto de se defender.
Depois de flexibilizar a legislação sobre o desarmamento e, consequentemente, em certa medida, armar a população, propor a exculpação do excesso de legítima defesa praticado por medo, é algo preocupante.
No mesmo sentido, crítica especial se faz quanto à expressão “violenta emoção”, pois, da forma como redigida a norma, essa exculpação seria bastante utilizada para os frequentes casos de feminicídio verificados atualmente.
Ainda quanto à legítima defesa, é temerária a proposta de explicitar situações em que se considera haver legítima defesa no agir do policial ou profissional de segurança pública, permitindo que a própria autoridade policial libere o agente detido em flagrante.

Embora se proponha a conferir, nas palavras do então candidato à presidência da república, uma “salvaguarda jurídica” à atuação policial, exala do conjunto da obra que as propostas de inclusão de um parágrafo único no art. 25 do Código Penal e do art. 309- A no Código de Processo Penal, na prática, serviram apenas para dar guarida ao corporativismo policial.
6. Endurecimento do cumprimento das penas
A crítica aqui é quanto às propostas contidas nos §§ 5o, 6o e 7o do art. 33, e no parágrafo único do art. 59, todos do Código Penal, no sentido de estabelecer regras facultando ao juiz definir o início do cumprimento da pena pelo regime fechado, ainda que a pena fixada seja inferior a 08 anos.
O grande problema no Brasil é a superlotação carcerária. A eventual aprovação desses dispositivos, não se tem dúvidas, irá banalizar o regime fechado, ademais de acarretar crescimento sensível da população carcerária.
7. Alteração do conceito de organização criminosa
No que concerne às alterações no conceito do art. 1o da Lei no 12.850, de 2013, a discordância se refere à inclusão, no dispositivo, a título exemplificativo, do nome de algumas organizações criminosas.
Ainda que presente no sistema normativo italiano, como justificou o Ministro Sérgio Moro, a referência não deve ser aqui reproduzida, sob pena de se institucionalizar tais organizações, reconhecendo, legalmente, a existência de algumas facções.
Além disso, o que se pretende com a inclusão do inciso III no § 1o do art. 1o da Lei no 12.850, de 2013, é alcançado sem a mínima necessidade de se fazer referência nominal a uma ou outra organização criminosa. Ainda se corre o risco de uma dessas organizações alterar o nome ou mesmo, diante da efetividade da atuação do Estado, algumas virem a ser desarticuladas e extintas.
Sugere-se, portanto, acrescentar o inciso III, considerando organizações criminosas aquelas que “se valham da violência ou da força de intimidação do vínculo associativo para adquirir, de modo direto ou indireto, o controle sobre a atividade criminal ou sobre a atividade econômica”.
8. Elevação de penas em crimes relativos a armas de fogo
A respeito das alterações propostas na lei que trata do registro, posse e comercialização de armas de fogo (Lei no 10.826, de 2003), mostra-se excessiva a inclusão da parte final do inciso II, proposto para o art. 20.
Isso porque, embora a decisão proferida em segundo grau possa permitir o início da execução da pena, não é razoável maior flexibilização do princípio da presunção de

não culpabilidade para permitir que tal situação possa ser utilizada para possibilitar o aumento de pena de outro crime.
9. Aprimoramento do perdimento de produto do crime
A proposta de inclusão do art. 91-A, no Código Penal, segue uma tendência do Direito Comparado de transferir para o acusado, condenado pela prática de determinados crimes, o ônus de comprovar a origem lícita da propriedade de bens incompatíveis com os seus rendimentos.
Esse tipo de perdimento tem maior aplicabilidade nos crimes financeiros, de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de entorpecentes.
A despeito disso, em lugar da especificação dos crimes, tarefa sempre bastante tormentosa, houve acerto da proposta em estabelecer um requisito objetivo e claro, na medida em que tomou como parâmetro infrações às quais a lei comine pena máxima superior a seis anos.
10. Permissão do uso do bem apreendido pelos órgãos de segurança pública
A experiência revela que a melhor solução para os bens apreendidos é a alienação antecipada. Com a reversão dos recursos públicos ao erário, a Administração Pública poderá melhor destiná-los às atividades voltadas à prevenção e repressão de infrações penais.
Por outro lado, a utilização de bens apreendidos por órgãos de segurança pública, como sugerido, não raro, ocasiona problemas relacionados ao mau uso.
11. Prescrição
A respeito da prescrição, as sugestões são pontuais. Sugere-se o acréscimo como causa impeditiva da fluência do prazo prescricional (enxerto do inciso III no art. 116 do Código Penal), a “pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, estes quando inadmissíveis”.
A sugestão se mostra pertinente, a fim de evitar que esses recursos sejam utilizados apenas como estratégia para conseguir alcançar a prescrição do ilícito.
Nas causas interruptivas da prescrição há modificação sensível. Com a alteração pretendida para o inciso IV do art. 117 do CP, propõe-se que as sentenças e os acórdãos absolutórios também ocasionem a interrupção da prescrição. Essa é uma questão que merece um pouco mais de discussão.
De toda maneira, a sugestão é interessante. A prescrição no campo criminal, especialmente em crimes graves, é um fenômeno sobremaneira indesejável, embora não se desconheça que processos, notadamente os criminais, precisam possuir uma duração razoável.

Á primeira vista, a sugestão apresentada não tergiversa quanto à duração razoável do processo, preceito incluído dentre os direitos fundamentais. Apenas se restabelece que pouco importa se a sentença ou acórdão é condenatório, ou não: a consequência é a interrupção do prazo prescricional. Achamos a proposta interessante.
2. Reforma do crime de resistência
Quanto ao art. 329 do Código de Processo Penal, que tipifica o crime de resistência, a proposta é a inserção, nas penas então existentes, além da prisão, da pena de multa. Quanto a isso, não há o que se contrapor.
O problema surge ao se inserir um novo tipo de crime de resistência quando a conduta resulta em morte ou risco de morte ao funcionário ou a terceiro.
Como a redação atual já ressalva que a responsabilização pelo crime de resistência não prejudica a condenação correspondente à violência (art. 329, § 2o), em caso de resistência com resultado em morte ou lesão corporal, haverá responsabilidade pelos dois crimes.
Todavia, com a mudança sugerida, o agente responderá apenas por um crime: resistência que resulta em morte ou risco de morte. O problema é que a pena alvitrada – de seis a trinta anos –, estabelece margem muito alargada, o que não é usual. A área de discricionariedade para a dosimetria, dentro de uma variação de 24 anos, é muito grande., ainda mais no Brasil em que a legislação sobremaneira porosa quanto aos critérios para a fixação da pena-base.
Outra questão é que, pela redação sugerida, fica difícil definir, em termos jurídicos, o que seria “risco de morte” Seria a hipótese de uma pessoa que, atingida por um disparo de fogo, apresenta gravidade no seu estado de saúde, passando a correr risco de morte? A resposta aqui parece simples. Mas, imaginemos a situação de uma pessoa que, após receber um disparo de fuzil, escapa sem ser atingido. Nesse caso, haveria “risco de morte”?!
Da forma como prevista a norma aventada, o “risco de morte” estaria caracterizado em toda e qualquer hipótese em que um eventual confronto ocorra mediante o emprego de arma de fogo. É evidente que essa situação de risco aqui imaginada não pode ser assemelhada ou constar no mesmo tipo que contempla o crime de resistência que resulta em morte.
Ademais, diante da supressão da regra contida no atual § 2o do art. 329 do Código Penal, fica a dúvida quanto às hipóteses em que a violência empregada vier a ocasionar, por exemplo, lesão corporal leve ou grave. Nessa situação, o agente responderia só pelo crime de resistência. É o que parece, a não ser que se altere a proposta.
13. Introdução de soluções negociadas no Código de Processo Penal e na Lei de Improbidade
Merecem enfáticos aplausos a proposta plasmada no art. 28-A, que prevê a celebração de acordo de não persecução criminal, instituto que já vem sendo utilizado,

em consonância com ato normativo editado pelo Conselho Nacional do Ministério Público.
A proposta tem o mérito de legalizar o acordo de não persecução criminal. Mas deveria avançar mais, no sentido de permitir esse tipo de negociação em crimes com pena máxima inferior a 08 anos. Da forma como feita, crimes como estelionato, por exemplo, ficaram excluídas dessa espécie de acordo, o que não é adequado.
Quanto ao instituto do plea bargaining, contido no art. 395-A, a proposta está em consonância com o Direito Comparado, a partir da experiência do Direito americano. Ocorre que, como o termo final para esse tipo de negociação estabelecido no dispositivo em análise é o início da instrução, recomenda-se, no ponto, a alteração, a fim de que conste a previsão da possibilidade de celebração do acordo inclusive na audiência de instrução em julgamento.
Perceba-se que a colaboração premiada é possível até mesmo na fase da execução da pena. Ainda que não seja o caso de admitir o plea bargaining após a condenação, tudo recomenda que a negociação possa ocorrer até mesmo na fase das razões finais, antes da prolação da sentença.
Alerte-se, porém, para o risco de se pretender, com a instituição do plea bargaining, transferir o poder decisório do Judiciário para o Ministério Público, crítica esta que é feita em relação ao sistema norte americano. Lá, a negociação pré-processual não pode ser revisada pelo Judiciário, o que não se mostra adequado ao sistema processual penal brasileiro.
De acordo com dados estatísticos revelados no documentário A 13a. Emenda1, 97% da população carcerária dos Estados Unidos é proveniente de acordo entre o Ministério Público e a defesa. Esse dado é preocupante quando se tem em conta que os Estados Unidos possuem a maior população carcerária do mundo – com menos de 5% da população mundial, representa quase 25% dos prisioneiros do mundo.
Sugere-se, portanto, a previsão, expressa, da possibilidade de o juiz modificar a proposta do acordo quanto à definição da pena.
Propõe-se, ainda, a inclusão de previsão no sentido de que, caso o acusado queira confessar o delito e assumir a culpa, ainda que o Ministério Público se oponha, possa o Juiz reduzir a pena conforme previsão legal, que pode ser, por exemplo, de 1/3 a 2/3.
Por fim, cremos que não se deve falar em homologação do acordo, como previsto nos §§ 6o, 7o, 8o e 9o do art. 395-A do projeto. Mesmo no caso de acolhimento, sem restrições, do acordo convolado entre o Ministério Público e a defesa, o adequado é constar no dispositivo que a manifestação do juiz se fará por meio de “sentença”, em sentido técnico-jurídico.
14. Alteração da competência para facilitar o julgamento de crimes complexos com reflexos eleitorais
1 A 13a. Emenda. Disponível em: www.netflix.com.br. Acesso em 20 jan. 2019. Esse Documentário, lançado em 2016 e dirigido por Ava Du Vernay, foi indicado ao Oscar (ficando em segundo lugar) e venceu o Emmy. Relaciona o racismo com o crescimento desproporcional da população carcerária, e mostra visão crítica quanto à transferência do poder decisório para o Ministério Público por meio do plea bargaining.

É elogiável a proposição prevista no caput e no parágrafo único do art. 84-A do projeto.
O Supremo Tribunal Federal assentou entendimento de que, surgindo prova sobre a participação, no crime em apuração, de pessoa que detém prerrogativa de função, o juiz deve remeter todo o processo para o tribunal competente, não podendo desmembrá-lo. Essa impossibilidade de o próprio juiz decidir quanto ao desmembramento burocratiza e prejudica a tramitação processual no primeiro grau, até porque, após o chamado “Caso Mensalão” (Ação Penal 470), a Suprema Corte, de regra, determina a separação do processo, reservando a si apenas o processamento e julgamento do agente que detém foro privilegiado.
A solução alvitrada com o teor do parágrafo único do art. 84-A sugerido (“Poderá o Tribunal competente para apuração da conduta do agente com prerrogativa de função determinar a reunião dos feitos, caso seja imprescindível à unidade de processo e julgamento”) é a mais correta para esses casos.
Igualmente, é de se concordar com a inserção do inciso III ao art. 79 do Código de Processo Penal, ao ressaltar que, na hipótese da prática de crime comum e eleitoral, não deve ocorrer a junção de processo. Cada crime deve ser apurado e julgado pela respectiva justiça competente.
Essa proposta é importante e necessária porque, diante do que dispõe o art. 78, IV, do Código de Processo Penal, parte da doutrina defende que a Justiça Eleitoral pode ser competente para julgar crimes de homicídio, de lavagem de dinheiro, corrupção etc. Esse entendimento é equivocado, pois, quando da edição do Código de Processo Penal, não existia a Justiça Eleitoral. As únicas justiças especializadas eram o Tribunal de Segurança Nacional e as Justiças Militar e do Trabalho.
Assim, não tendo a Justiça do Trabalho jurisdição criminal – e em razão do disposto no inciso I do art. 79 do CPP –, resta claro que o art. 78, IV, do Código de Processo Penal, tinha endereço certo, ou seja, o Tribunal de Segurança Nacional, que fora criado para julgar os crimes políticos, mas tinha essa competência ampliada em caso de conexão.
Portanto, para afastar de uma vez incompreensões em relação ao tema, nada melhor do que deixar expresso, como proposto, que não se dará a reunião de processos, mesmo em caso de continência ou conexão, quando for hipótese de concurso entre as jurisdições comum e a eleitoral.
Mas essa alteração apenas não é suficiente. O Código Eleitoral, na primeira parte do inciso II do art. 35, dispõe que aos juízes eleitorais compete processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos. Por coerência sistêmica, estende-se a proposta para modificar também o dispositivo em foco, a fim de excluir deste a expressão “e os comuns que lhe forem conexos”.
Como corolário lógico, a proposição alcançou igualmente o art. 364 do Código Eleitoral, a fim de retirar da norma a expressão “e dos comuns que lhe forem conexos”.
Há alguns comentários sobre a inconstitucionalidade da proposta, sob o argumento de que, para alterar a competência da Justiça Eleitoral, faz-se necessário que

a matéria seja veiculada por emenda constitucional. Não procede a crítica. Com o devido respeito a quem assim, pensa, não concordamos com a tese. Não se está alterando a competência estabelecida na Constituição para a referida justiça especializada. A Constituição não insere na competência da Justiça Eleitoral os crimes comuns conexos. Esse entendimento advém de interpretação canhestra do art. 78, IV, do CPP, conforme apontado acima e, ainda, do disposto no art. 35, II, do Código Eleitoral.
Segundo informações, o Ministro da Justiça e da Segurança Pública, em atenção às ponderações feitas, vai separar essa matéria referente à competência do crime comum em conexão com ilícito eleitoral. Pelo expendido, defendemos a manutenção da proposta. Deve-se atentar, apenas, para a circunstância de o Código Eleitoral ter a natureza jurídica de lei complementar.
15. Melhor criminalização do uso de caixa dois em eleições
É bastante salutar a proposta de inclusão do art. 350-A no Código Eleitoral, a fim de tipificar o crime de caixa dois em eleições, prática bastante recorrente em nosso meio, e ainda sem o devido tratamento normativo.
A classe política tem mostrado preocupação, solicitando que seja explicitada, no texto, a impossibilidade de aplicação do dispositivo para crimes já ocorridos. A preocupação – e, de permeio, a sugestão – não procede, pois é princípio universal e fundamento de Direito Penal que a norma não pode retroagir, salvo quando favorável ao agente que praticou o crime, o que, inclusive, está expresso, de forma cogente, em nosso sistema jurídico, dentre os direitos fundamentais (art. 5o, XL, da Constituição).
16. Alteração do regime de interrogatório por videoconferência
A proposta em relação ao art. 185 do CPP tem uma sutil, mas significante, alteração do tratamento atual conferido ao interrogatório por videoconferência. O texto atual do § 2o do at. 185 principia asseverando que “Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada…”, e, com a redação proposta, suprime-se a expressão “excepcionalmente”.
Ademais, a proposta modifica o inciso IV para acrescentar, como hipótese para a determinação do interrogatório por videoconferência, a circunstância de a medida ser pertinente para “prevenir custos com deslocamento ou escolta de preso”.
Essa redação alvitrada, em verdade, possibilita ao juiz determinar que o interrogatório de pessoa presa seja sempre viabilizado por meio de videoconferência. Isso porque todo e qualquer deslocamento de preso para o fórum gera custos, pois os presídios, ainda quando situados no mesmo Município em que sediado o juiz, está localizado em local distante.
Portanto, o interrogatório de pessoa presa, de regra, será por videoconferência, o que não é de todo ruim. É verdade que a participação do acusado, estando presente na audiência, afigura-se uma das dimensões da ampla defesa. Mas não se pode fechar os olhos para a realidade, diante de episódios já registrados de ataques a juízes e servidores

– a população em geral também, em alguns casos é atingida, como o episódio no Rio de Janeiro, em que uma criança que trafegava nas proximidades do fórum findou sendo atingida por um disparo de arma de fogo.
Isso sem considerar que o momento do transporte do preso para a audiência é o mais propício para operações de resgate.
Por fim, merece registro, ainda, e aqui concordamos plenamente, que o § 10 do art. 185 do CPP proposto estabelece uma regra específica: primeiramente, constava que, se o preso está recolhido em estabelecimento fora da comarca ou da subseção judiciária, preferencialmente, o seu interrogatório deve ser tomado por videoconferência.
Após uma reunião com parlamentares, o Ministro da Justiça e da Segurança Pública acatou sugestão para excluir a expressão preferencialmente, a fim de tornar imperativa a regra.
O transporte do preso, nesses casos, é de alto custo e, em certa medida, dramático para quem faz a escolta, com dificuldade de logística para pernoite, o que invariavelmente se faz necessário.
17. Restrições à soltura de criminosos habituais
Não há o que discordar quanto ao § 1o proposto para o art. 310 do Código de Processo Penal, que, aliás, é até desnecessário (Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.”)
É que na prática, e em razão da legislação atual, pouco importando o crime praticado, mesmo em caso de flagrante, o juiz, para decretar ou converter a detenção em prisão preventiva, deve verificar a existência de prova da materialidade e indício suficiente da autoria, além de um dos fundamentos previstos em lei (manutenção da ordem pública ou econômica, assegurar a aplicação da lei e por conveniência da instrução criminal).
Portanto, a existência dos elementos excludentes de criminalidade necessariamente afasta a caracterização dos requisitos exigidos para a decretação da medida.
Igualmente fazemos restrições ao § 2o também proposto para o art. 310 do CPP (“Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que está envolvido na prática habitual, reiterada ou profissional de infrações penais ou que integra organização criminosa, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares, salvo se insignificantes ou de reduzido potencial ofensivo as condutas.”), que além de desnecessário, utiliza um conceito complicado em Direito Penal – o criminoso habitual.
Como se não bastasse, atendendo a solicitação de governadores, a redação proposta para o § 2o do art. 310 do CPP foi alterada, para incluir, ainda, como norma

imperativa para a denegação da liberdade provisória, a situação em que a pessoa detida esteja com armas de fogo de uso restrito ou quando as circunstâncias indiquem que ela seja membro de grupo criminoso.
Em verdade, da forma como redigida a proposta, se criaria um quarto fundamento para a decretação da prisão preventiva: o só fato de o agente ser “reincidente” ou “habitual”, ou ter utilizado “arma de fogo de uso restrito” ou ser “membro de organização criminosa”. Nesse caso, haveria a dispensa da demonstração da necessidade da prisão, o que retiraria o caráter de medida cautelar da prisão processual.
Em verdade, por linhas transversas, a proposta, com suporte em elementos objetivos, estabelece a vedação da liberdade provisória quando o crime praticado por determinadas pessoas, com a utilização de certo tipo de armamento ou só pelo fato de integrar organização criminosa.
Como se não bastasse, esse § 2o é de todo desnecessário. A prisão preventiva decretada sob o fundamento de que necessária para a manutenção da ordem pública ou econômica, conforme jurisprudência do STF e do STJ, se presta exatamente para evitar a reiteração da prática de crimes.
Assim, tal como está hoje, se há dados concretos de que o acusado, solto, irá persistir na prática de crimes, o juiz pode decretar a prisão com fundamento de que necessária a medida para a manutenção da ordem pública ou econômica.
18. Alteração do regime jurídico dos presídios federais
No que concerne à alteração do regime jurídico dos presídios federais, há uma proposta elaborada pelo Fórum Permanente do Sistema Penitenciário Federal2 bem mais abrangente. Aliás, a proposta aqui examinada, quanto ao conteúdo sugerido para o art. 3o da Lei no 11.671, de 2008, é praticamente idêntica à proposição do Fórum Permanente.
A única ponderação a ser feita quanto ao art. 3o é em relação ao inciso II, que veda a visita social por contato pessoal, medida consideravelmente extrema. Não se tem dúvidas de que o regime de cumprimento de pena ou de prisão processual em presídio federal deve ser de isolamento e monitoramento, mas também há de se considerar a existência de tecnologias que possibilitam a visita social, com contato físico, mas com o devido monitoramento não só de imagens, mas igualmente de áudios.
Parece desarrazoado – e até desumano –, um presidiário, especialmente se casado e com filhos, como é a regra na população dos estabelecimentos federais, passar no mínimo 03 anos sem qualquer contato físico. Ainda mais porque, embora hoje o prazo máximo seja de apenas 360 dias – a proposta propõe que seja elevado para 03 anos –, diante da possibilidade de renovação, temos presos que estão em presídios federais desde 2006 (quase 13 anos), quando foi inaugurada a primeira unidade.
2 O Fórum Permanente do Sistema Penitenciário Federal foi criado pela Corregedoria-Geral da Justiça Federal, sendo integrada pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Corregedor Geral da Justiça Federal e pelos Juízes Federais Corregedores dos cinco presídios federais.

Nem se diga que a exceção prevista na parte final do § 8o resolve o problema. Longe disso; esse dispositivo terá o condão de criar outro grave problema. É que se abre a possibilidade de advogados peticionarem insistentemente ao juiz corregedor, pleiteando a concessão da visita social.
Mas, da forma como redigida a proposta, a situação é pior: o pedido poderá ser, inclusive, para que o preso tenha o direito a visita íntima, aumentado o horário de banho de sol ou seja revisto o monitoramento ao qual submetido etc.
Além do mais, esse § 8o dá azo a que o regime de cumprimento de pena em presídio federal seja customizado conforme a decisão exarada pelo juiz corregedor a cada pedido específico que lhe seja feito, o que descontrói toda a ideia do sistema penitenciário federal, que é pautado por um regime de tratamento igualitário e uniforme para todos os internos.
A excepcionalidade do § 8o deve se restringir apenas ao colaborador, extraditado ou extraditando, e, ainda assim, com a previsão de que o recolhimento desses presos seja feito em presídio federal definido para esse fim, ou pelo menos que eles permaneçam em ala/vivência específica.
Quanto ao art. 11-A, consideramos que deve preponderar a proposta do Fórum Permanente do Sistema Penitenciário Federal, no sentido da criação, por lei, do colegiado para o funcionamento das corregedorias judiciais dos presídios federais, deixando que os tribunais regulamentem a forma de atuação, conforme as peculiaridades regionais e locais.
Isso porque a mera faculdade, como sugerido aqui, ainda que seja adotada a sistemática por mais algum Tribunal Federal além do da Quarta Região – que atua na forma colegiada desde o início – certamente não será acatada por todos, o que contribuirá para que o sistema permaneça desarticulando nessa parte.
É consenso entre os juízes a necessidade da criação de colegiado permanente nas corregedorias dos presídios federal para evitar a pessoalização, medida de segurança importante para preservar a integridade física dos magistrados que lidam com essa matéria.
O modelo de jurisdição singular nos presídios federais foi um erro, cometido pela falta de experiência nessa matéria, que precisa ser consertado.
Os presídios federais são penitenciárias de segurança máxima, previstos para abrigar os presos mais perigosos que, mesmo recolhidos aos cárceres estaduais, permanecem com poder de mando e direção de organizações criminosas. Diante desse cenário, a jurisdição singular, confiada a uma única pessoa, expõe e coloca em risco concreto a integridade física do magistrado, sujeitando-o a ameaças como forma de minar a independência quanto ao ato de julgar.
Para além de se tratar de medida importante como forma de proteção dos magistrados, a fim de que os presídios federais atuem de forma sistêmica, parece evidente que as Corregedorias Judiciais precisam de outro formato. É desejável evitar, na medida do possível, a prolação de decisões isoladas e distintas, com o condão de gerar reações entre os presos tanto previsíveis quanto imprevisíveis. É inevitável que se pense no

funcionamento das corregedorias judiciais dos presídios federais como um sistema único, com atuação em forma de colegiado, ao invés do tradicional modelo de juízos singulares.
O sistema federal possui experiência quanto à pertinência da atuação da Corregedoria Judicial sob o modelo de colegiado, pois a Corregedoria Judicial do Presídio Federal em Catanduvas/PR, desde o início, funciona sob esse formato. Inclusive, com suporte em trabalho elaborado pelo Fórum Permanente, a Corregedoria-Geral da Justiça Federal sugeriu a todos os Tribunais Regionais Federais, nos quais estão situados os outros quatro presídios federais, que adotem como diretriz o modelo da Quarta Região
19. Aprimoramento da investigação de crimes
A perícia no Brasil é muito rudimentar, sendo a causa maior para a ineficiência das investigações, a ponto de ser recorrente afirmar-se que a polícia só detém capacidade para apontar alguém como responsável pela prática de crimes em pouco mais de 5% dos casos.
Essa ineficiência das perícias tem como fonte maior a ausência de uma cadeia de custódia dos vestígios deixados na cena do crime e em outros locais, não havendo protocolo rígido sobre o armazenamento e exame do material coletado.
Por isso mesmo, a crítica que se faz nessa parte é porque a proposta não tratou de incluir no Código de Processo Penal as regras pertinentes à cadeia de custodia das provas coletadas e à documentação das perícias. Passou da hora de ser disciplinado o procedimento para manter e documentar a história cronológica dos vestígios coletados em locais ou em vítimas de crimes, com registro da posse e manuseio até o descarte, contendo: (a) identificação; (b) preservação; (c) descrição; (d) coleta conforme a característica e natureza; (e) acondicionamento de acordo com as características físicas, químicas e biológicas, com data, hora, local e nome do responsável pela coleta e acondicionamento; (f) transporte; (g) transferência da posse; (h) recebimento; (i) exame pericial; e (j) armazenamento e descarte.
Faltou, ainda, a determinação para a criação de central de custódia em todos os órgãos periciais, com a finalidade de armazenar os vestígios mediante a adoção das regras acima.
Outrossim, as modificações propostas quanto ao perfil genético dizem respeito apenas à Lei no 12.654, de 2012, que cuidou da coleta de perfil genético para a identificação criminal. É urgente a necessidade de que esse tipo de prova seja tratado no CPP quanto aos vestígios deixados quando da prática de crimes.
Hoje, no Direito Comparado, o exame genético de vestígios deixados na cena do crime é a prova mais importante e eficiente na apuração criminal, notadamente quando se trata de crime de homicídio.
Merece realce e aplauso a sugestão de inclusão do art. 7o-C na Lei no 12.037, de 2009, a fim de determinar a criação, junto ao Ministério da Justiça, do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais, o qual permitirá o compartilhamento em banco de dados nacional os registros biométricos, as impressões digitais e, sendo o caso, os

registros de íris, face e voz, para subsidiar investigações criminais nas esferas federal e estadual.
A mudança proposta para o art. 3o da Lei no 12.850, de 2013 é pertinente porque estende para toda e qualquer infração com pena máxima superior a 04 anos as técnicas especiais de investigação previstas para os crimes praticados por organizações criminosas.
Quanto à sugestão de inclusão do art. 21-A na Lei no 12.850, de 2013, também estamos de inteiro acordo.
Consoante essa posição do Supremo Tribunal Federal, as gravações ou filmagens clandestinas, feitas com a finalidade investigatória, desamparadas de autorização judicial, não possuem validade como prova no processo criminal.
Para realçar a imprestabilidade das provas angariadas sob essa forma com fins investigatórios, por meio da Lei no 10.217, de 11 de abril de 2001, o legislador cuidou de acrescentar ao então art. 2o da Lei no 9.034, de 1995, o inciso IV, para esclarecer que a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise somente podem ser feitos mediante circunstanciada autorização judicial.
Porém, a Lei no 12.850, de 2013, revogou a Lei no 9.034, de 1995, sem previsão de norma com o conteúdo do então inciso IV do art. 2o, que fora incluído pela Lei no 10.217, de 2011, exatamente com o escopo de normatizar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada no sentido da necessidade de prévia autorização judicial para a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos e acústicos.
É evidente o lapso cometido na lei, daí por que mais do que necessária a inclusão do art. 21-A proposto.
20. Introdução do “informante do bem” ou do whistleblower
A Comunidade Europeia, os Estados Unidos e as Nações Unidas passaram a adotar programas de reportantes ou whistleblower como um dos instrumentos necessários para a defesa do interesse público. O Brasil assumiu o compromisso perante a ordem internacional de adotar esses programas, tal como se evidencia da Convenção das Nações Unidas para Combate à Corrupção e a Convenção Interamericana de Combate à Corrupção. A proposta tem o condão de criar regras para possibilitar que o cidadão colabore, sem receio de retaliações, para a proteção do patrimônio público. Essa forma de proteção está em compasso com a pauta dos direitos fundamentais, na medida em que é forma de garantir a pessoa de colaborar com a segurança pública, nos termos da parte final do art. 144 da Constituição, materializando o direito de livre expressão e pleno exercício da cidadania. Ainda que de forma precária, o instituto do Whistleblower foi instituído em nosso sistema por meio da Lei n° 13.608, de 10 de janeiro de 2018.

A Lei no 13.608, de 2018, premia o cidadão que faz delatio criminis agindo como se fosse fiscal do Estado (vigilante ou informante), podendo ser estabelecido, dentre outras formas de recompensa pelo oferecimento de informações que sejam úteis para a prevenção, repressão ou a apuração de crimes ou ilícitos administrativos, o pagamento de em dinheiro, quando levem à resolução de crimes.
Recentemente, no mês de janeiro de 2018, no Estado do Ceará, em virtude de diversos ataques promovidos por organizações criminosas, houve a aprovação de lei estadual, estabelecendo incentivo financeiro para quem prestasse informações identificando agentes que estavam praticando os atos de violência.
21. Conclusão
Conforme se vê, o pacote de medidas reunidas na iniciativa legislativa encaminhada à Câmara dos Deputados sob a denominação Projeto de Lei Anticrime, em primeira e superficial análise, tem mais aspectos positivos do que negativos. Diante das observações aqui feitas, tem-se, de outra banda, que há muitos pontos que precisam ser debatidos com profundidade.
Em uma democracia, propostas submetidas ao parlamento, notadamente as que dizem respeito a assuntos de alta relevância para a qualidade de vida de todos, abordando direitos fundamentais nas perspectivas subjetiva e objetiva, precisam e devem ser amplamente debatidas com a sociedade, nos mais diversos fóruns.
Sem embargo dessas considerações, cabe observar que já foi aprovado no Senado o projeto de lei que trata do novo Código Processo Penal, matéria que, no final do ano passado, estava na ordem do dia da Câmara dos Deputados, mas findou havendo deliberação.
Pelo menos no que diz respeito às alterações previstas para o Código de Processo Penal, pensamos que o fôlego político do Executivo deveria ser concentrado na edição do novo código, com a incorporação das novas sugestões. Até porque é consenso de todos que o CPP atual, editado sob a batuta da Carta de 1937, não é referencial normativo pertinente para pautar os processos criminais.
De outra banda, há questões fundamentais inerentes à alta criminalidade enfrentada pela sociedade brasileira, que aguarda iniciativas concretas e efetivas do Executivo.
A sociedade espera por medidas em relação ao sistema penitenciário brasileiro. Ademais de sérios problemas de má gestão elevados à potência máxima devido à impressionante superlotação carcerária, é fato que os presídios estaduais não têm

cumprido as duas funções basilares que justificam a sua própria razão de ser: não impede que a pessoa, mesmo presa, continue a praticar crimes e não consegue promover a sua ressocialização para, depois, devolvê-la à vida em sociedade.
A despeito de não cumprir com a sua missão ressocializadora, a falta de melhor gerenciamento dos presídios tem permitido que o ambiente carcerário seja comandado pelos próprios presos e, ademais, que, de dentro dos presídios, sejam determinadas as mais variadas e torpes ações criminosas.
O mais trágico é que essa forma inadequada de administração dos presídios estaduais se tornou campo fértil para a criação das facções criminosas. As maiores e mais temidas facções criminosas existentes no país foram pensadas e criadas no interior das penitenciárias brasileiras, ou seja, a indústria do crime, no Brasil, foi arquitetada nas dependências das próprias penitenciárias.
A situação atingiu ponto tão crítico que, diante da desenvoltura com que alguns presos comandam as ações criminosas das pessoas a eles relacionadas, muitos dizem que os presídios brasileiros se tornaram verdadeiros escritórios oficiais, de onde as ações dos grupos organizados são comandadas.
Precisamos de medidas efetivas em relação à gestão dos presídios estaduais, a fim de diminuir a prática de crimes e a sensação de insegurança da sociedade. Além de descontruir os escritórios oficiais das organizações criminosas mais violentas e que amedrontam a população, impõe-se que sejam implementadas medidas de inteligência para retirar o alicerce financeiro que alimenta as ações dessas facções.
Medidas desse jaez devem ser tomadas com urgência, ao lado das que foram agora analisadas, sob pena de não se lograr êxito no escopo perquirido. Afinal, o que se deve querer com as medidas anunciadas é garantir o usufruto de uma vida de paz, que só uma sociedade arquitetada sob os princípios da democracia e respeito inegociável aos direitos fundamentais, nas perspectivas subjetiva e objetiva, pode outorgar.
São essas as primeiras e ligeiras observações sobre o Projeto de Lei Anticrime.