Direito Global
blog

O salário de Barroso

Em conversa com o Blog do Camarotti, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso defendeu o direito da sociedade de saber quanto ganha um juiz. Para ele, a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de dar publicidade aos salários da magistratura terá um efeito colateral positivo: haverá mais cuidado na observância da lei.

Ao ser questionado sobre a resistência de setores do Judiciário em dar transparência aos salários, Barroso revelou que ganha R$ 23 mil líquidos. O teto do funcionalismo público é equivalente ao salário de ministro do STF: R$ 33,7 mil.

Leia abaixo a íntegra da entrevista do ministro:

Blog – O CNJ tomou uma decisão de dar publicidade aos salários dos juízes em todo o Brasil. Como o senhor avalia essa decisão?
Barroso – Acho que é uma decisão extremamente positiva. Eu sou de um entendimento que juiz deve ganhar bem, que essa é uma garantia da cidadania. Mas, numa democracia, transparência é da essência de toda a remuneração pública. Portanto, deve ganhar bem, mas deve ganhar na forma da Constituição, que é um subsídio. Característica de subsídio é ser uma parcela única e, portanto, a sociedade tem o direito de saber quanto ganha um juiz. Não pode ter remuneração escamoteada nem penduricalhos que ninguém sabe explicar o que é.

Blog – A gente vê muito essa questão dos penduricalhos, ou seja, além do salário, os aditivos e que acabam estourando o teto do funcionalismo público. O senhor acha que dar publicidade a isso ajuda a conter esses penduricalhos?
Barroso – Em primeiro lugar, não deve haver abusos. Portanto, o efeito colateral da publicidade é evitarem-se os abusos, porque diante da publicidade as pessoas terão mais critério, mais cuidado na observância da lei. Hoje em dia, o que se tem verificado é que muitos estados da federação, mais na Justiça estadual do que na Justiça federal, ocorrem remunerações que ninguém consegue entender ou explicar adequadamente. Portanto, um país como o Brasil, nas circunstâncias brasileiras, as pessoas não podem estar ganhando 70, 80, 100, 200, 300 mil reais… Acho que isso é um desaforo com a sociedade brasileira, sobretudo num momento em que há pessoas que não estão sequer recebendo aposentadoria.

Eu detesto demagogia e populismo oficial, portanto, eu estou dizendo com franqueza que acho que juiz é um profissional que tem que ser bem pago. Juiz passando privação, juiz passando necessidade é um risco para a sociedade, mas, evidentemente, essa remuneração tem que ser compatível com as circunstâncias do país, com o mercado de trabalho no qual você disputa o recrutamento dos juízes, porque, se você pagar muito mal, você fica com o que sobrou, e não fica com os bons, e nós queremos recrutar bons. Mas é preciso haver um senso de realidade, de compromisso com o país e de transparência. Acho que o mais importante é a transparência. A sociedade brasileira tem o direito de saber quanto ganha um juiz.

Blog – O senhor acha que vai ter muita resistência à aplicação do teto?
Barroso – Há muitos anos já existe o teto representado pelo subsídio do Supremo e há muitos anos há o descumprimento deste teto. Portanto, as resistências têm sido muito consistentes ao longo dos anos. E é preciso enfrentar. A própria instituição do teto enfrentou muitas resistências. Quando o teto foi aprovado, ele passou a ser desrespeitado. Portanto, no Brasil, os avanços nem sempre são lineares. Os avanços são feitos entre idas e vindas, mas a gente tem que persistir para criar um país decente, transparente, em que tudo possa ser visto e debatido à luz do dia.

Blog – E pode ter resistência em relação a essa decisão da transparência dos salários?
Barroso – Eu acho que, num espaço público, quer dizer, quem aceita ingressar no serviço público, tem que abrir mão de uma parcela da sua privacidade. Então, eu acho que na iniciativa privada talvez alguém possa legitimamente arguir o direito de privacidade para não revelar quanto ganha. Mas quem ingressar no serviço público eu acho que tem que abdicar dessa prerrogativa. Portanto, qualquer pessoa que queira saber, eu não sei o número redondo, mas eu ganho em torno de R$ 23 mil líquidos. Sou um servidor público e, portanto, eu acho que o que eu ganho não pode ser algo escondido da sociedade. Sou até capaz de receber algumas doações depois dessa confissão.