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Golpe ou revolução ?

Do desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-RJ) e ex-integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Gustavo Tadeu Alkmim, em sua página no Facebook:

“Semanas atrás, estava a assistir uma palestra do próximo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que, lá pelas tantas, falou uma frase que me meteu espanto: “em Brasília, não falamos ‘golpe de 64’, nem ‘revolução’; lá, para não antecipar posições, falamos ‘movimento militar’”. A frase foi dita an passant, em meio ao tema tratado na palestra, que àquela altura, na minha cabeça, passou a menos importante. Coméquié? Pensei, então, com meus botões: que retrocesso é esse? Quantos passos estão dando para trás? Logo após tomarem o poder de assalto, os militares tentaram reescrever a história chamando o golpe de Estado de “revolução”. A artimanha era tão descarada e tão pouco convincente que não colou. Sequer chegou a suscitar grandes polêmicas.

Tirando meia dúzia de brucutus, qualquer um sabia que revolução era conceito que, nem de longe, se aplicava à tomada de poder pelos milicos, que, com tanques e a complacência do Parlamento e do Judiciário, tirou um presidente civil eleito para ilegitimamente colocar um general cinco estrelas no Palácio do Planalto. E assim, implantar anos de terror, tortura, censura e arbítrio. Tudo com apoio da nossa elite reacionária, macaqueada pela classe média udenista e conservadora. A volta da democracia custou vidas, exigiu luta e demorou tempos. Pois, agora, a esta altura, uma das mais altas autoridades do Judiciário coloca em questão uma falsa e simplista controvérsia (golpe ou revolução)? Isso após um general ministro da Defesa ameaçar publicamente a Corte Maior, antes do julgamento do Lula – como assim?

Fiquei ali a pensar como as coisas estavam fora dos trilhos… Pois, agora, surge a paralisação dos caminhoneiros, que começa a ser ideologizada por setores da direita mais fascista, que, se aproveitando do torpor da esquerda, procura capitalizar o movimento. A par de legitima a pauta dos caminhoneiros e, como já bem disse Ricardo Antunes, de ser o movimento uma mistura de greve com locaute, o fato é que cartazes nada improvisados pedindo a intervenção militar e discursos preparados previamente nessa mesma linha não podem ser tolerados sob nenhuma justificativa.

A campanha pela demonização da política em curso desde 2016 conduz a estes discursos, que clamam por “colocar ordem na casa” – o que só nos conduz à reflexão sobre os efeitos de se tirar uma presidenta isenta de qualquer prova de corrupção. Uma quartelada em pleno século XXI é algo que seria risível se não fosse trágico, e não deveria sequer ser cogitada em um regime democrático. Discursos fascistas apenas encontram eco por conta de um governo golpista e ilegítimo, e por causa do apoio de setores civis e midiáticos, os mesmos que ampararam o golpe de 64 (depois, alguns deles, inclusive da grande mídia, foram vítimas da própria ditadura militar). Mas a história só se repete como farsa – a mesma que estão tentando impor agora. E farsa só prevalece diante da aquiescência, omissão ou desinformação – o que é inaceitável por qualquer democrata.

As cartas estão na mesa, e não é hora de se relativizar o que foi a ditadura militar; é hora de cada um escolher o seu lado.”