Direito Global

“Baiano lerdo”

A 36ª Vara do Trabalho de Salvador condenou a Bematech S/A, empresa que fabrica equipamentos e softwares de gestão com sede em Curitiba (PR) e filial na capital baiana, a pagar R$ 300 mil por assédio moral, caracterizado na ação de gerentes que insultavam, constrangiam e humilhavam os demais funcionários, usando expressões como “baiano lerdo”. A sentença, expedida em ação movida pelo Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA), também proibiu a empresa de permitir que se ofenda a honra, a moral ou a dignidade de seus empregados.

Na decisão, a juíza Lucyenne Amélia de Quadros Veiga reconheceu que as ofensas proferidas eram de responsabilidade da empresa, que não adotou qualquer medida para evitar a prática. As expressões usadas reiteradamente revelavam discriminação de origem, pois atingiam todo o povo da Bahia, buscando referir-se à suposta incompetência e ineficiência dos funcionários.

O valor a ser pago, fixado como compensação punitiva, para evitar a reincidência dessa prática, será revertido ao Fundo de Promoção do Trabalho Decente, à Associação de Pais e Amigos de Crianças e Adolescentes com Distúrbios de Comportamento e ao Lar Irmã Benedita Camurugi – R$ 100 mil para cada. A empresa não mais possui filial em Salvador, o que não tira dela a responsabilidade de pagar pelo dano moral causado.

A sentença da juíza Lucyenne Veiga destaca que o estigma do baiano lerdo, preguiçoso e com aversão ao trabalho não possui qualquer dado de realidade. “Na verdade, segundo estudos antropológicos, o estigma de preguiçoso do baiano teve origem na elite branca que dominava o Brasil na época da escravidão dos negros e era usada para desdenhar desses escravos que laboravam até a exaustão”, pontuou. Ela levou em conta que o estereótipo atinge principalmente a classe trabalhadora, mas “o povo baiano, assim como os demais brasileiros, é um povo trabalhador, forte e resiliente, com grande capacidade de adaptação”.

A magistrada também ponderou que o Brasil vive um momento em que os cidadãos deveriam unir esforços em combate aos retrocessos sociais, em aceitação à diversidade do ser humano e do próprio país, cujas regiões “apresentam diferentes peculiaridades culturais, não se podendo afirmar de modo algum que uma região é melhor que outra”.

Para a juíza, o estereótipo “Dorival Caymmi” de que o baiano só quer festa, rede e água de coco não merece prosperar. “A arte e poesia de Caymmi, com liberdade criativa, não pode jamais servir para definir um grupo social”, completa. A decisão também aponta estudos, como o artigo “Uma Verdade sobre o Povo Baiano”, de Leandro Isola, e uma tese de doutorado da professora Elizete Zanlorenzi, da PUC de Campinas, que apontam o descompasso entre a realidade e a imagem que se tem do baiano. Em apertada síntese, demonstram que a “preguiça baiana” não passa de uma faceta do racismo.